quarta-feira, 31 de agosto de 2011

The BIg Bang Theory



Nos meus raros momentos de vagabundagem, procuro algo interessante para entreter. Num desses momentos conheci a série The Big Bang Theory. A primeira coisa que me chamou atenção foi a Abertura:





Depois fui buscar a letra completa da música, achei realmente interessante. 

 

 

A HISTÓRIA DE TUDO
Barenaked Ladies

Todo o nosso universo estava em um estado quente e denso
Então há uns 14 bilhões de anos a expansão começou.
Espera...

A Terra começou a esfriar,
Os autótrofos começaram a babar,
Neandertais criaram ferramentas,
Construímos a muralha (construímos as pirâmides),
Matemática, ciência, história, desvendando os mistérios,
Tudo começou com o Big Bang!

"Desde o começo da humanidade" nem faz tanto tempo,
Já que cada galáxia foi formada em menos tempo do que leva pra cantar essa música.

Uma fração de segundo e os elementos foram feitos.
Os bípedes ficaram de pé,
Os dinossauros todos chegaram ao seu fim,
Eles tentaram escapar mas se atrasaram
E todos morreram (congelaram o rabo)
Os oceanos e a pangéia
Até mais, não ia querer ser você
Postos em movimento pelo mesmo Big Bang
Tudo começou com o Big Bang!

Está expandindo infinitamente mas um dia
fará as estrelas irem para o lado contrário
Colapsando para dentro, não estaremos aqui, não seremos feridos
Nossos melhores e mais brilhantes acham que fará um Bang maior ainda!

Australopithecus ficaria de saco cheio de nós
Discutindo enquanto pegavam veados (nós pegamos vírus)
Religião ou astronomia, Encarta, Deuteronomy
Tudo começou com o Big Bang!

Música e mitologia, Einstein e astrologia
Music and mythology, Einstein and astrology
Tudo começou com o Big Bang!
Tudo começou com o Big BANG!


Abertura completa:






Não gosto muito de comédias, normalmente acho que as piadas são de mau gosto, mas essa série tem algumas piadas inteligentes, coisa rara e que exigem do espectador um mínimo de conhecimento científico. Essa mistura inusitada me tornou fã. Faz duas semanas que começou a ser exibida pelo SBT nos sábados, mas não gostei da dublagem, prefiro a versão legendada. Então fica a dica para quem gosta de alguns clichês, está a fim de relaxar e não fazer papel de idiota se sujeitando a um programa sem nenhum nível de inteligência.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Criança(s)


 Esse é um texto bem pessoal que escrevi rapidamente e não corrigi antes de postar, me sinto um pouco ansiosa hoje, então peço que me perdoem pelos erros que certamente serão percebidos.


Ter criança em casa é mais do que um trabalho e uma recompensa afetiva, é lição de vida. Domingo de sol, um dia iluminado, com um calor gostoso. O meu pequeno não estava em casa, a tia o trouxe por volta de 16h. Antes disso eu e a minha pequena já tínhamos sentado na calçada tomar refri e comer bolachas enquanto nos maquiávamos como princesas.
O Henrique chegou, comeu umas bolachas, tomou um copo de refri e foi procurar na tv algum canal que passasse programa sobre animais. Encontrou um bem interessante e me chamou para assistir com ele. Em alguns momentos era legendado e eu nem tinha percebido, porque olhava para os animais com distração que certamente não ouvia a narrativa. Ele ficava irritado por não conseguir ler, aí me empenhei em prestar atenção, foi difícil, estava realmente dispersa e a Amanda passou o tempo todo se esfregando no meu colo feito gata siamesa e tagarelando.
Voltei para fora, me arrumei de forma confortável na cadeira e por acaso observei que as nuvens no céu moviam e direções opostas, com isso viajei por algum tempo, com intuito de tirar o Henrique da TV chamei o pra ver, ele não deu muita atenção, mas com não havia nenhum programa interessante ele veio com nós e uma verdadeira aventura começou.
Primeiro descobrimos na arminha de água dele uma aranha minúscula com ovos, tiramos muitas fotos e ficamos num dilema: matar ou deixar desovar? Por distração a coitada continuou vivendo. A Amanda trouxe alguns brinquedos que logo foram abandonados e substituídos pela imaginação.


Bem, a história começou, morávamos no mar, tínhamos uma casa confortável (fiquei imaginando que flutuava, mas não entrei em detalhes). Um pedaço de tijolo daqueles de seis furos era o jacaré rei que em todos os mares e o animal de estimação do Henrique, que era caçador, protetor dos animais (sim, um paradoxo, mas e daí?), era herói e atleta. Outro pedaço de tijolo daqueles maciço era um peixe que a gente comia todos os dias, um pedaço de tábua com um prego era o peixe prego que é o único no mundo que só é saudável pra comer frito (nessa parte ri muito). Por vezes a Amanda se tornava sereia, por vezes tirava a cauda e era minha filha. Me chamaram o tempo todo de vó, não entendi direito, mas deve ser porque eram adultos e... Melhor me conformar com essa ideia.
E essa brincadeira durou horas, mas horas mesmo, escureceu, eu fui pedalar e eles ainda brincaram um bom tempo antes de entrarem. Por não terem brincado com os brinquedos não queriam guardar, fiquei irritada e me perguntando: qual a verdadeira razão para comprar brinquedos para eles? E a resposta veio sem pestanejar: para satisfazer meu ego proporcionando uma alegria fútil e fugaz. Talvez por ter consciência disso que não brigo com a Amanda por maquiar as bonecas e por correr pelo quintal com elas nos braços. Provavelmente por isso brigo para o Henrique sair de dentro de casa e ir brincar, mas toda vez que faz isso é sem brinquedo, só com a imaginação.
Anotei isso porque quero ler próximo do dia das crianças e natal para tentar não me deixar levar pelo consumismo impregnado pela mídia. Vou tentar planejar uma comemoração que seja prazerosa para mim também (afinal tenho muito de criança, muitas carências) e que possa passar valor em ser, viver acima do ter e do comprar. Posso não conseguir, posso me frustrar e me render ao desejo de agradar ao invés de satisfazer, mas vou tentar.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Eu!



Ontem, pensando na minha personagem e em algum novo tema para outra história, queria alguma história feliz. Acabei pensando em mim, nas minhas felicidades. Acabei pensando na minha rotina, que analisando friamente sufoca. Me perguntei: como eu, uma pessoa totalmente passional e intensa, sem meios termos; consegue simplesmente viver um dia após o outro numa rotina massacrante, onde não há novidades? E a resposta dessa pergunta é um texto.

Muito interessante como nos descobrimos quando refletimos.  Minha rotina é sim sufocante em função das minhas prioridades e necessidades. Não sou hipócrita em pensar que é possível simplesmente mudar tudo, largar, agir, porque tenho responsabilidades e compromissos. Tenho filhos que precisam ser alimentados, precisam de ajuda para se vestir, precisam de acompanhamento e principalmente de direção moral, ética e de valores para crescerem saudáveis e bem. Tenho horários. Tenho contas. Mas nesse ínterim, tem algo que não pode ser amarrado, nem dominado sequer adaptado a rotina que é o meu mundo de fantasia que acontece com frequência na mente, onde sendo como deus, crio, penso, vivo, julgo, condeno, absolvo, questiono. Um mundo inteiro, perfeito, só meu. Posso viver e alimentar a fantasia que quiser, posso deixar a que não gosto morrer por inanição sem nunca compartilhar com ninguém, compartilhar as que gosto e viver “escondida” as que tenho vergonha.
Muito simples e claro para mim, não preciso viver uma vida louca no dia-a-dia porque acontece uma louca vida constantemente em mim.
Posso me permitir sem normal no mundo, mais ou menos, porque bem normal não consigo ser, e ser completamente insana nas minhas ideias. Carla nada mais é do que um reflexo, uma expressão da minha intensidade, de mim mesma, um pedaço bem interessante, inclusive, de mim.
Descobri nessa reflexão que eu sou bem mais que eu pensava ser. Eu sou EU!, em maiúsculo, negrito com uma exclamação e só!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Carla e o óculos - A Última Parte




Quando o óculos ficou pronto sua mãe foi buscar trouxe numa caixinha com uma flanela para limpar, Carla colocou no rosto e sentiu uma estranheza, ao mesmo tempo que as coisas ficaram definidas, com formas bem marcadas, cores vivas, ela tinha a sensação de estar com os olhos sendo puxados do rosto.
Nesse caso ela preferiu optar pelo prazer de ver o mundo. O mundo tinha formas, tudo muito claro, bem definido, nenhum pouco parecido com os borrões que ela sempre via. O verde da grama sob a luz do sol foi a cena mais marcante, a grama parecia ter movimento, com penugens, detalhes que ela nunca tinha observado.
Levou um susto quando olhou para o rosto das pessoas e viu as feições, o olhar, o contorno do nariz, dos lábios; foi como descobrir o mundo, renascer. Uma emoção indescritível. Sentiu uma felicidade pura, gratuita de poder ver, era como pertencer a um mundo que ela não conhecia, tinha tanta coisa a descobrir a partir de então.
No primeiro dia de aula os colegas surpreenderam, não ficaram debochando, foram compadecidos, tiveram até um pouco de piedade, como se fosse um sacrifício usar algo que fazia se sentir melhor. Foi interessante descobrir que era fácil aprender quando se conseguia ler, ver, acompanhar visualmente a formação da ideia no livro. Descobriu que não era burra, era cega. Foi muito gostoso conhecer o prazer da leitura, conseguir ler os problemas matemáticos e formular um raciocínio lógico com os números. Descobriu que tinha afinidades com algumas matérias e era realmente medíocre para outras. Mas isso não incomodou, porque é algo natural.
Os adultos sempre falavam com piedade, coitada, como se acostuma a usar isso o dia todo. Ela não conseguia ver onde se enquadrava o coitada, mas para evitar maiores explicações vestia a máscara de coitada, concordava e continuava a desfrutar do seu novo mundo.
Passado os seis meses, quando deveria retornar para a próxima consulta, descobriu que haveria guerra para isso por causa do valor investido e apenas Carla tinha vantagem em manter rigor nas consultas e o óculos com o grau certo. Um valor subjetivo, inclusive, porque não tem como as pessoas verem seu mundo guerra assumida, porque ela pensava ter o direito de ver, aconteceu essa consulta e mais umas duas. Sua mãe resolveu pedir ao oftalmologista que aumentasse o tempo do retorno, ele sem preocupação nenhuma disse que poderia ser a cada ano.
Na próxima escolha de óculos, depois de trocar várias vezes apenas as lentes, a armação não se adequava mais ao rosto, que havia crescido, não parava mais sobre o nariz porque estava toda torta, o valor das armações tinham aumentado e sua mãe não queria comprar. Carla não era de insistir para ganhar nada, mas óculos, ela precisava, porque usava todos os dias, o dia todo. Insistiu, sua mãe recusou e ela argumentou: “pra você é fácil dizer que não precisa trocar, não é você que tem isso no rosto o dia todo”. A cara de desalento deve ter convencido, ela pôde trocar por uma armação de pouca qualidade que teve que ser substituída logo, por uma fornecida pelo SUS, que igualmente não resistiu um ano. A partir disso a qualidade aumentou um pouco, para valer a durabilidade.
O mais interessante de Carla usar óculos, além ver o mundo como realmente era, foi descobrir o poder mágico que ele tinha de deixá-la invisível. Na verdade não a deixava invisível ao mundo, porque ela era invisível ao mundo, mas quando ela tirava o óculos, deixava o mundo invisível à ela, era como se existisse no vácuo, com a percepção de lugar e tempo alterado. Com esse ato lhe foi concedido um poder que ela jamais imaginou que teria: poderia ser ela mesma, sem o medo de ser julgada, porque da mesma forma que era ignorada, poderia ignorar o mundo de forma consciente. Esse segredo Carla carrega com ela. Usa desse poder e usufrui dele constantemente. Ele minimiza o desespero que sentia por não se adequar a normalidade do mundo e tão pouco poderia não inserir o mundo em sua anormalidade.
E, apesar dos recursos disponíveis, Carla ainda usa óculos e não tem intenção de deixar de usar, porque gosta de ser alheia quando quer ser ela mesma.


sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Carla e o óculos - Próxima Parte


 
Carla achou que finalmente tinha feito algo certo, esperado. Engano seu, ao sair do consultório ouviu reclamações do tipo como não tinha nada, me fez perder tempo em te trazer até aqui, como falou as letras certinho, como?? Como?? Como?? Ela toda sem graça, mas pensando que esse seria ainda o correto disse que decorou. A briga ficou maior, decorou?? Mas que absurdo, ninguém decora plaquinha com letra. Onde já se viu fazer um negócio desses, perdeu a consulta. Carla não entendeu nada, já não sabia se era para falar certo ou errado. Se era bom ou ruim para sua mãe que ela usasse óculos. Não soube qual seria a maneira de acertar.
E, os anos passaram, Carla continuou com dificuldade no aprendizado, com dores de cabeça, que começaram esporadicamente, mas tornaram-se constantes com rapidez. Dessa vez as dores de cabeça intensas e constantes motivaram uma nova consulta. Não de maneira gratuita, claro, com um peso e uma pressão muito grande para Carla. Vou levar você, dizia sua mãe, vou pagar uma consulta, quero ver, nunca vi ninguém para gostar de estar doente como você, mas se não tiver nada, não quero mais ver reclamação de dor de cabeça.
Novamente Carla ficou sem saber se era para ter problema ou não, porque ter problema de visão acarretaria em mais um gasto com óculos, não ter acarretaria em lamúria por ter desperdiçado dinheiro em uma consulta particular. De qualquer forma não tinha como escapar dessa pressão. Carla decidiu deixar nas mãos de Deus (que naquela época acreditava), porque a dor que sentia era real e intensa e motivo para uma nova história. Além do mais, não era totalmente mentira que Carla gostava de ir ao médico, na verdade não gostava especificamente ir ao médico, mas esse era o único motivo que vinham para a cidade e ela amava vir para cidade. Sonhava em morar numa cidade grande, com prédios altos, elevadores, escada rolante e pasmem, com poluição, embora que tinha medo disso, o mundo assustava a Carla.
Chegou a hora da consulta, perguntas, sua mãe respondia todas, ela nem cogitava responder, porque não sabia de nada, menina do interior como era, não sabia como falar com médico. Após as perguntas a temida hora, Carla ainda não sabia se deveria falar as letras conforme tinha decorado ou se deveria falar somente o que via. Decidiu falar o via e via poucas. Ele colocou um aparelho que à ela fazia lembrar uma borboleta e foi passando lentes, magicamente o mundo foi ganhando cores e traços definidos, embora que ela tinha a sensação de que algo puxava seus olhos para fora. Mas as letras passaram a ter forma clara e cor viva. Algo que Clara nunca tinha visto. Se acreditasse em fantasia, certamente imaginaria ser algo mágico. Ele mudando a lente perguntava essa? Ou, voltando a lente anterior Essa?, Ela optava pela lente que achava que via melhor sem arrancar meus olhos. 


Comentou que tinha a sensação de algo puxando os, ele disse que era normal e que ela acostumaria. Receitou o óculos, indicou uma ótica. Carla escondeu o sorriso e vestiu a máscara de desamparo, como era esperado, ter um problema que justificasse o valor gasto na consulta e um fingido incômodo por ter que se adaptar à uma necessidade. O que mais lhe deixara feliz foi a orientação de que deveria voltar a cada seis meses. Pelo menos seria certeza que duas vezes ao ano voltaria à cidade.
Escolheu um óculos entre as opções mais baratas que adequasse ao seu gosto, com um rosa leve, lentes grandes. Ficou feliz, mesmo que tivesse que esconder isso. Era a primeira vez que tinha lembrança de ganhar algo caro, mesmo não sendo tão caro e principalmente porque era a primeira vez que escolhia o que iria usar. Nem acreditava que podia ser tão bom ver várias opções e escolher uma, sem tem que aceitar algo trazido, escolhido, nem sempre ao seu gosto de outro lugar.


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Carla e o óculos - Parte I




Quando Carla era criança, as escolas do interior tinham um ensino menos rigoroso que o ensino da cidade grande (pelo menos era o que ela pensava) e ainda assim ela tinha muita dificuldade. Ao copiar do quadro se perdia entre meio as frases, sua letra era horrível e sua leitura patética. Ela pensava com frequência, como é que faria se vivesse em uma cidade grande e se conformava em ser do interior.
Numa dessas campanhas de governo que buscavam resolver problemas de saúde das crianças, foi feito um teste de visão. Carla errou. Errou muitos, a professora pediu para ela prestar atenção, insistiu para falar certo, olhar direito a letra que ela apontava. Carla se sentiu apavorada, porque não sabia como fazer para falar certo o que não conseguia distinguir. Com muita frustração a professora pediu para ela sair da sala e disse que conversariam depois. Quem nos primeiros anos escolares quer conversar depois com a professora, sentiu um frio, um medo ansioso.
Ao sair da sala as amigas contentes contando com sorriso em como tinham acertado todas as letras. Carla meio sem graça disse que não conseguiu ver e a reação das amigas foi a esperada: como não, as letras eram fáceis, tem que ser burra mesmo. O “tem que ser burra mesmo” pode não ter sido pronunciado, mas Carla certamente ouviu.
A professora chamou Carla para a temida conversa, explicou algumas coisas sobre encaminhar não sei o que ao posto para então encaminhar não sei onde para fazer sei lá o que e minha mãe teria que levar ela. A mãe levar Carla? Uma viagem especialmente à cidade para levar Carla a algum lugar? Isso custaria anos de reclamações, mas ela não tinha enxergado as letras. Droga, não poderia ter falado certo, mas como se não via.
O dia da tal marcação chegou, que na verdade nada mais era do que uma consulta pelo SUS com um oftalmologista, naquela época não era oftalmologista. Chegando ao consultório, ela logo reconheceu o fatídico cartaz. Enquanto ele fazia perguntas à sua mãe Carla fez um esforço em decorar as posições, afinal não queria ser burra novamente, não queria decepcionar novamente e, não queria ouvir a briga sobre óculos, novamente.
A briga sobre óculos: Carla chegou em casa com o papel para as devidas encaminhações e a mãe lhe disse eeee, vai ter que usar óculos. Carla comentou, a bem que eu gostaria, ia ser legal. Porque na sua concepção usar óculos representava uma inteligência peculiar, algo que ela era desprovida, um charme, uma beleza e até uma representação de sucesso. E a briga começou. É, você só pensa em gastar e gosta de estar doente, ir ao médico, nunca vi uma coisa dessas. Carla que não sabia ficar quieta, alterava o som da voz e respondia, assim seguia uma discussão inútil. Mas é claro que Carla se sentia culpada por ter desejos, gostos que custavam, mesmo que não gostava de ficar doente, não tinha culpa que sua cabeça doía, que não tinha conseguido ver as letras. Para conseguir se adequar ao esperado Carla decorou as letras, deu certo, não errou nenhuma e o oftalmologista disse que ela não tinha nada nos olhos.

Continua...
 

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Carla e o amor - Parte 2 ou final




Após essa opção, criou mecanismos de aparentar bem. Mas estar simulando a sufocava e ia em desencontro à sua decisão: viver sua existência! Passar os dias e noites transfigurada num ser feliz, responsável, correto, religioso lhe doía, mas era o que era esperado dela e numa tentativa desesperada para agradar resolveu ser o que era esperado.
Novamente o improvável aconteceu. Quer dizer, o provável, porque na vida de Carla o improvável é provável, ou nem sei mais.
Fato: por mais que ela racionalmente pensasse que jamais amaria novamente, no seu íntimo ela sabia que amaria de novo. Mas jamais imaginaria que amaria ainda. Sim AINDA.
Foi nas férias, férias de tudo, num passeio, que ao olhar a sua página social encontrou milagrosamente um pedido de amizade. Quando leu de quem era, até atéia deixou de ser e disse: “Meu Deus”. Era do seu primeiro amor. Seu amor virtual. E começava novamente. Quer dizer, a julgar pelo borbulho no estômago, tremor das mãos e pela maneira como o coração disparou, não começou nada, apenas continuou. Reviveu em segundos, anos de emoções dormentes e descobriu que algumas coisas não mudam. Se sentiu, especial, única e lembrou das muitas vezes, mesmo durante o segundo amor, que procurou o primeiro na rede social.
Aceitou o pedido de amizade com ansiedade. Mandou um scrap dizendo que estava feliz em reencontrar ele. Mas não mandou nenhum outro contato, e se havia alguma coisa que Carla queria agora era outro contato. Mandou outro e ainda esqueceu do msn. Mandou um terceiro, todos claramente alterados pela emoção, não conseguia coordenar as palavras de maneira correta. Sentiu desde aquele momento que o amava ainda. Mas agora ela já era uma mulher durona, jamais admitiria isso, assim, tão facilmente. Principalmente sem saber da recíproca. Depois de um fim trágico, não se permitiria sofrer de novo. Mas já estava sofrendo com a dúvida dos anos ter colocado alguém especial na vida dele, ou mesmo não tendo alguém especial, não ser mais alguém especial o suficiente para ele. E para não sofrer, sofreu.
Conversaram via msn, trocaram emails, ela escrevia mais, descobriram que muitas coisas mudam, mas a essência permanece. Decidiram se encontrar pela primeira vez da segunda vez. Muitas coisas na vida de Carla aconteceram em dias ensolarados, mas a chegada dele foi num dia chuvoso, um pouco frio, mas um frio que não sabia explicar se era da temperatura, ou da emoção.
Carla idealizou novamente um encontro em câmera lenta, cinematográfico, sem chuva, teve que adaptar esse detalhe, com um beijo apaixonado e infinito. Mas na realidade o encontro foi tímido, com um abraço caloroso, confortável, aconchegante, mas o beijo teve que ser pedido (como muitos no futuro) e foi bem envergonhado com um jeito meio sem jeito (como muitos no futuro).
Com poucas palavras e muita emoção o amor se concretizou carnalmente, mas o gozo se contemplou na alma. A felicidade fez os olhos amargos de Carla transformar em riso leve e cheio de brilho.
A convivência nos dias que seguiram foi leve, gostosa, mas naturalmente as diferenças existiram, e não foram resolvidas facilmente, um tinha gênio difícil, outro cabeça dura.
O momento da partida era eminente, a vida real chama dos “felizes para sempre”, a angústia, a agonia e a incerteza tomaram conta do coração de Carla, que não imaginava ser digna de tão bela experiência. Carla teve dúvidas sobre a volta do amor e certezas do medo que teria caso dependesse dela a iniciativa. A partida aconteceu com lágrimas nos olhos, beijos carinhos e promessas de amor eterno.
Carla continuou cultivando o amor a distância que lhe fazia bem, lhe tirava da rotina medíocre e lhe dava um objetivo, um anseio de felicidade. Algo vivido remotamente. Os olhos dela tinham outro brilho, o riso se tornou fácil.
O segundo encontro passou rápido, coisa de um final de semana, mas bem vivido e bem aproveitado acompanhado de vinho do porto. Momentos memoráveis. E então o planejamento de uma vida em comum, algo bem tradicional. A acho que essa é a única coisa provável que realmente aconteceu na vida de Carla. Provável que o tradicional não daria certo. E não deu.
Ela tinha se acostumado a morar só, criou um sistema que não permitia a entrada de mais ninguém, isso somado ao fato dela estar muito carente e ver nele seu salvador culminou numa pressão muito grande, que ele não estava apto a suportar.
No fim os dois tinham aprendido a se amar a distância, com seus sonhos e ilusões que só a distância permite manter. Ele resolveu voltar ao seu antigo lar, à sua antiga vida.
Esse foi um momento dos mais desesperadores de Carla, foi quando ela desejou não mais viver, desejou deixar de ser ela, desejou ser borboleta, para ter uma vida fugaz e uma morte bela, sendo levada pela brisa. Mas se tratando de Carla, se fosse borboleta, não seria surpresa morrer logo ao sair do casulo, sem provar nenhuma flor, com uma chinelada de alguém que se sentiu amargurado com sua estonteante beleza.
Carla se sentiu amarga, desejou com muita raiva que a antiga vida do seu amor não lhe bastasse e que houvesse nela algo, uma única coisa que fosse de valor que o fizesse repensar no fim.
Procurou nas caixas empoeiradas do armário sua antiga máscara com um sorriso largo, olhos escondidos e continuou vivendo, como sempre fizera nesses casos. Paradoxalmente os próximos dias, os dias antes da partida foram mágicos e ela aceitou como um presente em compensação ao que o futuro reservava.
A partida foi com poucas lágrimas dela, nenhuma dele. Um pedido de aviso de como chegou e um planejamento de como Carla chegaria em casa e lidaria com o vácuo formado pela ausência. Encontrar algumas cuecas, um perfume e algumas camisetas fizeram o coração de Carla doer. Sentir um misto de raiva com desolação, tudo por baixo da máscara de feliz.
Ela decidiu que essa máscara não lhe servia mais, não tinha mais idade para viver escondida atrás de uma máscara, de um óculos, de um papel de boa menina.
Voltou a espiritualidade, não com religião, mas aceitando a presença dos espíritos que a cercavam, começou a aceitar seus sussurros como intuição, começou a buscar vida fora de si.
Viu dois ou três pôr do sol, eles fizeram ela se sentir um composto de algo maior, apreciou a beleza das nuvens, que estavam lá no céu expostas, para serem vistas ou ignoradas, tomou um chocolate quente com gosto de matura liberdade. Voltou em si, caminhou, percebeu que mesmo só poderia desfrutar de prazeres.
Continuou se sentindo alheia ao mundo, perdida na cidade e imaginou que a localização geográfica influenciava, o inverno chegou, sentiu frio, praguejou não estar em outro lugar.
O contato com o amor, com o passado se manteve, para ela era questão de honra tirar a máscara e ver no espelho um olhar sapeca, vivo e feliz. Continuou buscando. Com o contato mantido reviveu algumas mágoas, talvez reviva elas em toda sua vida. Mas reviveu a emoção de ouvir um eu te amo e mais que isso, reviveu a emoção de se sentir especial.
Sem maiores explicações à ninguém decidiu ir à cidade dele, sentir o clima, conhecer, viver, como se não houvesse que dar explicações à ninguém, na verdade não havia que dar explicações, as dava porque se sentia constantemente culpada, até por não ter culpa se sentia culpada. Talvez essa tenha sido a decisão mais ousada e isenta de opinião externa que Carla tenha tomado.
Viveu como se fosse seus últimos instantes, sem culpa por estar feliz, sem culpa por estar ali. Voltaram juntos, ficaram mais alguns dias e ele resolveu voltar ao seu mundo e deixar Carla no dela.
Foi estranho para Carla ele sugerir que ela fosse viver perto dele, não na mesma casa, não no mesmo bairro, mas na mesma cidade. No coração de Carla surgiu uma flor, como a vitória régia, que desabrocha na superfície mesmo surgindo de águas profundas. Uma flor que emanava um odor doce, apaixonante, que levou Carla a pensar que suas raízes não estavam plantadas no lugar certo.
Foi com um medo estranho que Carla saiu do serviço, deixou seus móveis, levou poucas roupas, afinal todas que tinha eram muito velhas e seguiu um caminho desconhecido. O sorriso não a abandonava, trilhar novos caminhos, sentir adrenalina sempre tinham feito bem à ela. Não avisou que estava indo, queria passar alguns dias completamente só na cidade, andar sem rumo, se perder e se achar, sem ninguém. Queria ser capaz de estar onde estava, de estar ali por si, não por um amor, não por que alguém lhe convidara, queria estar ali simplesmente porque queria, porque para ela essa transgressão tinha sabor de liberdade.
Ouviu muitos desaforos quando resolveu, que não podia sair do emprego que estava à dez maçantes anos, que não podia ir a um lugar mais violento, que, que, que.... Mas Carla sabia que podia, podia sair do emprego porque era capaz de arrumar outro, e com certeza a cidade não seria mais violenta do que onde morava, afinal já tinha sido roubada, sua casa já tinha levado um tiro e ela tinha sido ameaçada. Pior que isso não poderia ser.
Carla podia.
E foi.
Foi sem medo, foi por ela, foi por uma vida que sempre gostaria de ter tido. Depois de três dias sem rumo, comendo onde desse vontade de entrar, dormindo no primeiro hotel que encontrasse quando escurecia, com o celular desligado Carla resolveu bater à porta do seu amor. Esperava ser recebida com surpresa, um abraço caloroso e um beijo tímido. Estranho, mas a surpresa não foi grande, o abraço foi quase dolorido e o beijo intenso como querendo substituir todos os não dados no período distante.
Carla encontrou um apartamento pequeno, com lavanderia e uma cozinha confortável, comprou alguns móveis, arrumou suas roupas, saiu para buscar um emprego. É estranho como o universo conspira à favor daquilo que se quer, que se deseja. Passou algum tempo Carla começou a trabalhar e em pouco tempo Carla começou a buscar aventuras. Não amorosas, foi pular de para quedas, bumgee jump, visitar museus, parques, se sentiu estranha vivendo o sonho que tivera desde a infância.
O amor de Carla era estranho, não ficavam muito juntos porque Carla era teimosa e ele cabeça dura, deixavam uma certa distância para alimentar cada um do seu jeito o que sentiam, mas se encontravam com a frequência necessária para que a saudade não os sufocassem.
Era um amor estranho, mas agora não havia dúvida, era amor! De um jeito estranho, singular, muito próprio, autêntico, nada tradicional, mas era amor na sua totalidade. Nunca era compreendido pelos que se adaptavam ao trivial, ao esperado pela sociedade, mas Carla e seu amor não existiam mais para se adaptar, existiam somente para serem felizes, cada um da sua forma e os dois juntos de um jeito incomum. Não seria o tradicional felizes para sempre, mas seria o felizes enquanto mantivessem uma distância saudável.
Então, Carla tem um amor, estranho amor e não é o filme proibido da Xuxa.
Mas quase foi uma história proibida!

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Carla e o amor - Parte 1




Carla tem um amor, estranho amor; calma não é o filme proibido da Xuxa, mas bem que poderia ser uma história proibida. É uma coisa meio não sabe. Não sabe se gosta, não sabe se ama ao mesmo tempo que gosta e ama. Então fica, mas é melhor ir, ele irrita ela, mas faz ela sentir-se bem.
Então Carla vive esse dilema, não por medo que ela é uma garota corajosa. É por não entender mesmo as coisas do coração. Talvez ela não tenha sido criada para amar e essas coisas, tenha sido educada para ser racional. Afinal na sua infância chorar era proibido, rir era coisa de bobo, fazer brincadeiras coisa de doente mental, felicidade era algo que não existia e sonho, era nada mais que ilusão, a única coisa importante era acumular poder monetário. Valores estranhos de se passar para criança.
Com dificuldade Carla foi se desvencilhando dessas amarras, mas alguns nós sempre ficam. Ela lembra com perfeição o dia que ganhou um par de patins usado. A vontade de sorrir era grande, todo o seu interior iluminou e com medo de explodir de alegria, puxou leve e disfarçadamente os cantos dos lábios num sorriso, logo voltou a natural postura com semblante, sei lá, talvez triste, sem expressão, olhos amargos. Mas por dentro a alegria era imensa. Bem verdade que andou poucas vezes, mas praticamente todas às vezes foram inesquecíveis. Mas que Carla colocava os patins e ficava imaginando que estava deslizando por ruas asfaltadas, indo para escola. Sonhava com o dia que poderia ir de patins para escola. Talvez as lembranças inesquecíveis das vezes que andou de patins nunca tenham realmente acontecido, talvez tenham acontecido somente no seu imaginário enquanto calçava. Até o chulé terrível ao tirar a bota de espuma era cheiro bom pra ela. Era cheiro de sonho realizado. Nunca vi um sonho tão fedorento. Estranho.
Breve relato para entender que se tratando de Carla o estranho e inimaginável é normal. Então ela ter um amor estranho era, lógico, esperado. Mas acrescento, ter um amor estranho era esperado, e dois? Claro, quanto mais improvável, mais esperado de Carla.
Embora que para mim como narrador acho muito mais interessante escrever sobre pessoas assim, estranhas, pessoas normais tem só coisas normais para contar, isso não tem graça, não atrai.
Enrolo e não conto dos amores de Carla.
Primeiro amor foi digital, à distância, mantido com carinho, cartas, emails, telefonemas, sonhos e idealizações. Estranho para uma adolescente de interior, cujas amigas frequentavam bailes para conhecer bom parceiros. Mas Carla se sentia especial, importante, tinha alguém que nutria por ela sentimentos bons, não ligava necessariamente para os olhos amargos, chorosos e cheios de lamentações, mesmo porque não os via. Tinha alguém que, por não ver essa parte ouvia a garota inteligente, humorada, brincalhona e cheia de sonhos. Tinha alguém que acreditava nela. Isso bastava para Carla Amar. Mas não era só isso, ela tinha alguém com quem poderia conversar horas sobre filmes, livros, cotidiano, rotina, alguém inteligente que sabia falar corretamente. Uma pessoa educada de valor, como não amar alguém inteligente, que sabe despertar o seu melhor?
Bem, era um amor assim que Carla tinha. Tinha mas não podia tocar, cheirar, beijar. O sentimento se desenvolveu reciprocamente e chegou o dia de se conhecer.
A ansiedade tomava conta do coração, ele que não se informara sobre a duração da viagem disse que chegaria cedo, então, ela que sempre se antecipa estava a sua espera antes de cedo. Mas ele chegaria tarde, e com o atraso do ônibus ele chegaria depois de tarde.
Enfim quando o coração pensava que não poderia mais aguentar o ônibus chegou, assim que ele surgiu na porta seu estômago borbulhou. Soube com certeza: era seu amor. Ansiosa por um encontro caloroso, saudoso com beijo quente e cinematográfico; recebeu um abraço tímido, meio sem jeito. Inconformada, pediu o beijo, que veio igualmente tímido.
Iniciaram as diferenças e a desconstrução da ideologia. Passaram poucos dias juntos, ela ansiosa para consumarem o amor fisicamente, ele extremamente tímido e amedrontado não tomou iniciativa. Carla sonhadora, cheia de planos para o futuro, ele romanticamente pensando num amor eterno. Ela querendo cursar a faculdade, ele levar a vida conforme a vida lhe levaria. Ela com gênio difícil, ele cabeça dura.
Ainda, algo em meio a isso insistia, era amor, só podia ser amor, estranho, mas ainda assim amor. Não tinha outra explicação para o sabor doce do beijo, para a sintonia e para a vontade de ficar juntos.
Na primeira partida a ausência criou dúvidas e o fim foi consequência.
Carla que não se apegava às coisas se entregou a amargura e solidão. Nunca confessou que doía e que tinha sido seu amor mais lindo, estranho, mas verdadeiro. Resolveu ansiar por outra experiência, dessa vez algo real e nada estranho.
Sem amigas Carla seguiu, e a primeira lembrança do seu próximo amor é coisa estranha, como não poderia deixar de ser. Num dia 31 de dezembro de um ano qualquer, ela voltava do trabalho desanimada porque passaria a virada de ano sozinha, veria os fogos sozinha e não teria ninguém para desejar feliz ano novo. Desanimada não seria a palavra correta, correto seria dizer envergonhada. Sim, Carla sentia vergonha de ser tão insignificante que ninguém lhe convidava para passar a virada. Pode parecer drama, porque é natural dessa data passar com a família, mas a família de Carla não era o que podia se chamar de normal no que tange datas comemorativas, era na verdade estranha. E ela alheia a isso desejava se enquadrar e comemorar normalmente determinadas datas, seguir determinados rituais. Voltando, sentia vergonha em não ter companhia, ninguém.
Embora que essa solidão, vergonha, não impediria de Carla admirar a beleza dos fogos, não impediria Carla de sair, ela poderia ser uma migalha de ser, mas agiria, jamais aceitaria essa condição sem antes lutar até a última força e tomar a última fluoxetina.
Bem, nesse 31 de dezembro Carla estava chegando em casa do serviço, com uma cara de dar pena no demônio, iria subir para sua kitinete e pensar em comer alguma coisa. Aliás, sozinha Carla não come, praticamente vive de luz, estranho. Naquele dia provavelmente não comeria nada. Provavelmente. Mas o provável não acontece.
Enquanto subia alguém mexeu com ela, não de forma desaforada, mas educadamente, chamando atenção, como não tinha nada a perder, nada mesmo, nem a vida, afinal essa existência ela não chamaria de vida, ela olhou. Um rapaz alto, olhos de mel muito bonito lhe ofereceu milho verde. Ela aceitou, ele pediu uma sacola plástica, ela foi buscar e superando as expectativas, ele descascou o milho. Esse foi um gesto que chamou a atenção. Quer dizer, foi uma gentileza e para Carla isso não era normal. Estranho.
O ano novo qualquer começou e nada de bom acontecia naturalmente, Carla sempre só, escondida por detrás de seus óculos, continuou existindo. Por meses não viu o lindo rapaz do milho verde, mas nem passava sobre isso, um lindo rapaz não se interessaria por ela.
Num belo e ensolarado dia, Carla provava um vestido de festa quando ouviu alguém bater na porta. Sem firulas foi abrir e adivinha?? Sim o estranho aconteceu. O rapaz estava lá, puxou assuntos banais, conversaram por algum tempo sobe trivialidades, ela de vestido de festa, salto alto, ele sem camisa e bermuda de taktel. Era enorme a discrepância. Mas isso não tinha importância, ambos gostavam de se comunicar e gostaram de se comunicar entre si. Se comunicaram mais algumas vezes, até resolverem sair.
O primeiro lugar que foram juntos foi numa piscina, Carla simplesmente amava água. E a paixão surgiu. O primeiro beijo foi quente, muito quente. E quando o amor aconteceu superou expectativas. Estranho, alguém superando expectativas duas vezes.
E, Carla gostou da sensação novamente de ser amada, importante, especial, única. Sensações estranhas à ela que normalmente se sentia inútil. Optou, em nome desse bem querer, ignorar sérios indícios de que o amor poderia ser trágico. Ele era tão maravilhoso que ligava para ela, ligava mesmo, não metaforicamente, ligava no seu celular numa época que só se ligava para celular em casos de morte, o custo da ligação era altíssimo. E como as coisas têm valores diferentes para cada pessoa, alguém ligar para Carla representava um valor muito grande para ela.
E foi!
A convivência foi boa, difícil para Carla é conseguir especificar o que foi mentira e o que foi verdade. Num belo e ensolarado dia ele partiu. Estranho. Partiu de forma definitiva. Coube mais uma vez a Carla voltar à companhia da solidão. Tornou-se insegura. Estranha. Deslocada. Como se não pertencesse a esse mundo. Talvez não pertencesse mesmo, mas estava aqui precisaria se adaptar a ele e às partidas.
Carla decidiu, contra todas as conspirações, que não desistiria da vida, não se entregaria à solidão e não se renderia ao grande desejo de se tornar vítima da história. Optou por viver sua existência.

 Continua...

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Carla e a Cozinha - Final





...E, para compensar o tédio da espera sentou em frente ao fogão, se deliciou com um Martini enquanto via o bolo crescer. Os quarenta minutos assando passaram tão rápidos que mal percebeu. Pensou então com um pouco de amargura, mas uma amargura abrandada pelo Martini, o que faria com um bolo tão grande sozinha, numa tarde chuvosa. Ignorou o pensamento e buscou uma nova receita.  Não cogitou comer sozinha, para os que mal criadamente pensaram em responder.
Carla possuía uma infinidade de opções, mas lembrou dos ovos fritos com bacon do anime Castelo Animado. Nunca em toda sua medíocre existência tinha se permitido imitar a arte. Resolveu! Faria ovos com bacon, pena não ter o cálcifer para consumir as cascas dos ovos. Fatiou o bacon observando as gorduras, a carne em meio delas e a pele dura, sentiu o cheiro forte. Se questionou sobre quantas fatias seriam necessária para um infarto e ficou imaginando se aquele bacon seria de qualidade. Riu da ideia, costumava comprar o mais barato no mercado, certamente não seria o de mais qualidade. Quebrou os ovos com cuidado, gostava de como se sentia cuidadosa quando não rompia a membrana da gema ao quebrar, mas um rompeu, nem tão cuidadosa assim.
Sentiu um prazer jamais sentido pelos humanos normais em fazer ovos fritos. A maioria dos humanos fariam isso apenas porque estariam com fome e gostariam de algo rápido. Carla degustou esse pensamento, sentir feliz em coisas simples era um aprendizado que de crise em crise ela lembrava. Colocou os ovos e o bacon na frigideira e ficou observando a mágica da química. O calor do óleo fazendo a clara endurecer, deixando o amarelo da gema mais esbranquiçado, o bacon tostando, a carne ficando marronzinha e a gordura translúcida. A maneira como a gordura do bacon se misturava ao óleo passando um sabor peculiar aos ovos. Era uma verdadeira alquimia, tornar coisas insípidas em mais que alimento, tornar em um prazer saboroso.
Carla ficou imaginando se os obesos do mundo eram assim porque tinham descoberto o prazer da culinária, ou se apenas se empanturravam com comidas preparadas em série. Admirou os ovos com bacon postos na panela, pensou sobre o anime, gostou disso, então serviu-se e degustou do ovo como se fosse o primeiro da sua vida, como se tratasse de uma comida fina, com sensibilidade, provando o odor primeiro, o sabor depois. Como algo único provavelmente foi o primeiro que comeu com atenção, alimentando a alma e não apenas saciando o corpo.
Resolveu reviver as boas experiências com comida que tinha tido, lembrou de uma noite que seu pai cozinhara ovos, o dela estava com a gema meio mole, colocou um pouquinho de sal, comeu na própria casca, nunca mais encontrou aquele sabor dentro da casca de um ovo, provavelmente porque não teve mais ovos cozidos pelo seu pai.
Lembrou da primeira vez que fez brigadeiro, se sentiu tão feliz, tão grande, pegou uma panela esmaltada com detalhe de flores, despejou o leite condensado a margarina e o chocolate, tudo cuidadosamente medido. Pediu ao seu pai para ascender o fogo do fogareiro, ah sim, não cozinhou no fogão, isso era proibido para ela na casa de sua mãe, cozinhou nas pedrinhas da garagem com um fogareiro. Mexeu se imaginando na cozinha de um grande restaurante preparando um brigadeiro de sabor único. Ficou feliz por ter sua casa com seu fogão, onde poderia cozinhar e fazer sujeira sem medo, estabanada como era, difícil fazer algo sem derrubar ou bater alguma cosia.
Essa lembrança a levou ao dia que descobriu que fazer gelatina era fácil, nunca comia gelatina nem podia fazer porque fazia muita bagunça. Foi com uma queda de queixo ficou sabendo que a única coisa que sujava era um refratário e uma colher. Lembrou das vezes que aproveitava das saídas da sua mãe para escondido fazer imersões na cozinha e preparar coisas como bolinho de chuva, gelatina, musses.
Lembranças e mais lembranças, enquanto degustava do sabor do ovo. Resolveu que faria uma refeição completa para si no domingo, peixe ao leite de coco, arroz branco, maionese com ovo cru e farofa carioca.
Carla levantou cedo, muito empolgada com a nova descoberta colocou cozinhar batatinha e ovos, já mais inspirada intelectualmente colocou um filme no DVD e relaxou sentindo um prazer singular.
Empanou os peixes conforme a receita, acrescentou ao seu gosto algumas ervas, cobriu com o leite de coco e colocou assar. Preparou o arroz, ficou em frente ao fogão sentindo o cheiro e ouvindo o som do líquido cozinhando. Se distraiu com o vapor que saia da panela, procurando imagens como algumas vezes faz com as nuvens.  Serviu o Martini, se sentiu feliz como nunca e esperou o calor transformar as comidas em alimentos para a alma.
Arrumou a mesa com elegância, colocou toalha branca de renda, usou o que aprendeu sobre etiqueta para dispor o prato e os talheres, dispensou o copo porque não bebe enquanto come. Serviu seu prato de maneira elegante e ficou admirando enquanto esfriava, Carla gosta de comida fria, no máximo morna. Degustou, se embriagou com os sabores, sentiu uma felicidade nova na alma, com essa descoberta tinha garantido pelo menos uma semana sem crise existencial durante sua rotina.
Não se sentiu só naquele dia, mas desejou compartilhar o mesmo prazer com alguém, mas concluiu que dificilmente alguém sentiria o mesmo sabor que ela em ovos fritos com bacon.


segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Carla e a Cozinha




Num fim de semana chuvoso e sozinha, sem ânimo para ouvir música, afinal música é alento para alma e Carla não queria que a alma estivesse bem; sem vontade para ver filmes, porque filmes exigem atenção e Carla não queria nenhuma atividade intelectual; ela entrou em crise. Bom, sabemos que Carla passa todo o tempo em crise, mas crises, assim como amores, sempre são inéditas e mais intensas.
Carla não sabia o que fazer que lhe dava prazer (além de sexo), algo que pudesse em um hobby, uma distração, que fizesse por amor, degustasse de cada momento da produção e sentisse prazer com resultado final. Carla não tinha talento. E, não ter talento implica em não saber ao certo quem é. Isso gera um a carência intensa, Carla buscava nos amigos, no amor encontrar quem ela própria era. Buscava satisfazer sua necessidade de saber qual era seu dom, para que tinha vindo ao mundo na companhia dos outros, e sugar essa energia alheia não só afasta as pessoas como também se absorve energias negativas e torna os olhos amargos.
Um pouco mais e Carla nem acreditaria estar viva, a vida seria uma ilusão como matrix, algo criado, planejado e decidido. Aliás, Carla preferia acreditar que vivia em matrix, assim se eximia da responsabilidade de buscar seu dom, buscar sua felicidade e poderia se entregar plenamente à sua crise. A maior de todas as crises que já teve.
Felizmente para mim, como narrador, conheço Carla e sei que ela não se entregaria assim, passar por crises ela aceita, afinal é quando se depara com seus defeitos sem máscaras e toma atitude para melhorar.
Pensou em todas as coisas que já tinha feito e ficou degustando do prazer que sentira para tentar encontrar seu talento, porque Carla acreditava ter um talento. Na adolescência aprendeu a fazer crochê, achava fascinante observar as mulheres fazendo, conseguir formar imagem através de uma única agulha e um fio de linha, certamente era um dom. Até era, mas logo descobriu que não era seu, porque as imagens se formavam sim, mas de forma lenta e Carla não tinha muita paciência. Nesse mesmo embalo aprendeu vagonite e ponto cruz, gostou de ambos, mas não conseguiu ver utilidade para os panos que bordava, ainda hoje ela tem trilhos de mesa e guardanapos nunca usados entulhando seu guarda roupa.
Antes disso tinha descoberto o gosto pelos estudos, gostava de ler e estudar, isso até poderia ser um dom, mas para Carla era na verdade uma obrigação. Era a única coisa que podia fazer sem restrições, então era obrigada a gostar e aproveitava para ler e conhecer assuntos ocultos, proibidos, pecaminosos. Então não valia.
Lembrou das aulas de educação artística. De como era desesperador não conseguir formar figuras reais com traços como outras crianças, como era humilhante ouvir os risos debochados por apenas conseguir fazer composições sem sentidos. Talvez pudesse chamar de desenhos surreais, talvez fosse uma artista, mas não havia na época ninguém com capacidade de incentivar ou orientar Carla nesse sentido. Inclusive, hoje os deboches seriam chamados de bullying. Se esse era dom, tinha ficado no passado com certeza. Algumas vezes Carla gostava de pensar que saber admirar a arte dos outros, conhecer os traços seria um dom, era uma das maneiras que ela encontrava para não se deparar com a realidade: ainda não sabia seu verdadeiro talento.
Por um período curto Carla fez aulas de teclado, mas achava entediante copiar partituras, não conseguia distinguir um som mais longo de um mais curto, os dedos não eram tão ágeis quanto o pensamento e, para somar a isso o irmão dela sentia um prazer indescritível em rir e irritar quando ela estava ensaiando. Não por isso, esse não era seu dom, um dos principais sinais é que frequentemente esquecia o dia da aula e faltava, bom isso também poderia ser sinal de que Carla vive no mundo da lua e nunca sabia que dia da semana era.
Fez dança, jazz, pouco tempo, mas foi incrível, gostava de ensaiar até a exaustão, fazia alongamentos, mas não podia apresentar junto com o grupo porque dançar era pecado, então acabou sendo pressionada a não ensaiar com o grupo, só a fazer os passos em um cantinho, como iria ensaiar com o grupo todo e não apresentar, não fazia sentido. Mas dançar com certeza foi um dos melhores momentos que passou na infância/adolescência. Isso até poderia ser um dom, mas Carla pensava que dom era ainda mais, tomou nota de adicionar aulas de dança na sua agenda e continuou pensado.
A chuva caía, o céu cinza, veio a lembrança da tarde anterior, quando estava no centro da cidade e pode observar o contraste dos ipês roxo totalmente floridos, sem uma única folha, com o céu cinza. Era o sorriso do coringa, grande, escancarado, mas não refletia felicidade e sim loucura, agonia, tristeza.
Devaneios à parte Carla voltou à crise. Seu dom. Como gostava de estudar e ler, escrever bem era uma consequência, então haviam sempre incentivos para que escrevesse algo, um livro, um diário, um texto, uma carta, mais tarde um email... Ela gostava de escrever, gostava muito, mas não tinha a disciplina necessária, não tinha o foco necessário, começava com uma ideia, se perdia em devaneios, escrevia cinco ou seis páginas sem sentido algum com o objetivo inicial. Poderia ser seu dom, mas teria que ser trabalhado melhor. Sem dizer que começava infinitos textos e não terminava, que muitos dias tinha preguiça de escrever, então não poderia ser profissão, porque com profissão se tem metas e prazos. Tomou nota ainda assim que gostava de escrever e pensou em algo como contos, crônicas, um personagem pra viver sua vida de forma mais escancarada. Tomou nota e voltou à crise. Já estava difícil manter foco.
Lembrou do período que trabalhou como jardineira. Não, jardineira não porque se limitava a plantar, cortar, varrer e juntar grama. Lembrou que esse foi o serviço mais detestável que fez, porque calejava suas mãos e sujava seus pés. Mas Carla jamais reclamava, porque em tempos difíceis se faz o que é necessário e ainda agradece pela oportunidade.
Continuou buscando em sua vivência o que lhe tinha dado prazer, na ânsia de encontrar seu dom e principalmente na esperança de encontrar períodos felizes. Lembrou de quando trabalhou em uma padaria, era pequena, de interior, mas se sentia responsável, não era muito mais que uma criança, mas se sentia “gente grande”. Atendia, ajudava lavar a louça, fazer recheios de cuca, aprendia segredos de bolos, bolachas, algumas medidas, Carla conseguiu lembrar ainda na vida adulta. Foi uma experiência fabulosa. Se sentia bem naquele ambiente e com aquelas pessoas, ela não conseguiu lembrar o nome delas, algumas receitas lembrou, isso pode ser um indício. Gostou de lembrar que perdia tempo vendo a textura da massa, sentindo o cheiro do pão no forno e se distraía ouvindo o ploc ploc das panelas no fogo.
Carla percebeu que se esse não era seu dom, estava muito perto de ser. Cozinhar, fazer comidas mexia com todos os sentidos e com sua intelectualidade. Cozinhar não é colocar vários ingredientes em um recipiente e comer depois. É um trabalho químico que respeitando a ordem, temperatura, movimento se torna algo que pode ser degustado, saboreado, sentido, vivido.
Uma comida vai além de alimentar quando instiga os sentidos, começa com o visual, observação da textura, o odor e por fim o sabor, sabor esse que se torna melhor quando compartilhado. Mas antes disso tudo tem o preparo. Carla viu que poderia experimentar isso naquele momento. Não precisava divagar no passado e sentir novamente o prazer, poderia viver o prazer agora. Foi o que fez. Buscou entre as centenas de receitas que tinha encontrado na internet e planejava fazer algum dia algo que pudesse ser feito naquele momento.
Encontrou um bolo, mas sem batedeira teria que ser feito manualmente. Um trabalho artesanal seria bom. Bateu as claras até virar clara em neve. Deixou escapar um riso gostoso. Será que o processo de torna a clara nevada é o mesmo que faz o suflair ser aerado? Certamente nesse instante Carla estava fora de sua crise, porque essas curiosidades sem sentidos, mas extremamente criativas só surgiam em bons momentos. Resolveu colocar o dedo no ladinho para sentir a textura, lambeu o dedo, fez uma careta, o sabor não era bom, mas acompanhar todo o processo sim. Acrescentou as gemas, bateu vagarosamente para se deliciar com a mistura, as cores que surgiam e a nova textura. Experimentou novamente, continuava ruim. Acrescentou o açúcar e bateu lentamente para ver as mudanças. Experimentou. Estava bom. Foi acrescentando os demais ingredientes, um a um, muito lentamente, delirando com cada nova cor e textura que observava. Riu sozinha. Sentiu um desejo de passar para as demais pessoas esse prazer, essa sensação de gostosura que sentia no coração. No momento em que despejou a massa na forma e colocou assar, seu coração estava tão leve e flocado quanto a clara em neve.


Continua...