Incrível como o ser humano é paradoxo. Como é plenamente possível se sentir simplesmente feliz e meio triste ao mesmo tempo. Isso porque depois de várias noites insones, noites frias inclusive, tive uma excelente noite de sono. Com isso me senti bem, disposta, leve, ativa e feliz. Perfeito, claro que não! Quem tem vida perfeita? A gente só se adapta e aprende a lidar com os transtornos. Li outro dia, não lembro de quem a autoria, que a dor é inevitável, o sofrimento é opcional. Achei interessante, porque mesmo não vivendo uma vida perfeita, é perfeitamente possível ser feliz. Mas vida não se conforma com aprendizados rápidos e insiste. Descobre os pontos fracos da gente e os usa, sem dó nem piedade. Já descobri que isso faz parte do crescimento e do preço que estamos pagando pelos erros no passado, inclusive de outros passados. Então, quanto menor a piedade da vida, maior minha evolução (não sou pokemón, mas evoluo) e, sinceramente espero que menor seja o preço para o futuro.
Para mim, o que se refere especificamente aos meus filhos, atinge em proporções maximizadas. Algo que tento é passar à eles valores sobre respeito, caráter, moral, ética, espiritualidade, certo/errado. Atualmente é difícil conseguir isso com tanta influência da sociedade. De qualquer forma, procuro com os exemplos diários transmitir bons modos. Então algo que me afeta, inclusive mais do que deveria, é mau comportamento. Algo bem inerente da Amanda, que tem na sua natureza o questionamento, a quebra de paradigmas e o desejo de ser notada. Juntando esses fatores a um dia em que a Amanda não estava de muito bom humor o resultado é escândalo digno de cobrar ingresso. Exatamente o que aconteceu no terminal rodoviário e seguiu dentro da lotação até quase chegar em casa. As idosas conseguiram de maneira gratuita assunto para o fim de semana. Os demais um misto de choque com horror que normalmente deixa os espectadores sem ação. Normalmente. Porque nessa ocasião uma espectadora sentiu-se compadecida do “sofrimento” da Amanda e resolveu lhe oferecer um chiclete como meio de acalmar e minimizar os berros. Automaticamente critiquei a mulher, afinal a Amanda, causadora da situação não estava merecendo prêmio. Ainda questionei qual a justiça em ela ganhar doce, enquanto o Henrique, que entrou na circular e foi para seu mundo sossegadinho não ganhava nada. Fiz questão de enfatizar que aquela situação só existia porque minha pequena estava tendo mau comportamento. Acredito que a situação tomou proporções maiores do que a própria Amanda imaginava, meio sem graça ela resolveu pedir algo que poderia ter e se acalmar. Para depois, muito tímida pedir desculpas para mim. Isso tudo antes de chegar em casa. Já em casa o Henrique foi ao banho e eu tive uma conversa com ela, na qual pela enésima vez comprometeu-se em manter o controle.
Só por isso já estava me sentindo bem chateada, meio triste, questionando onde minha postura como mãe estava errada, ou melhor, tão errada. Ainda acredito que apesar de cada crianças ter sua personalidade, eles são reflexo do ambiente. Mas as obrigações domésticas me chamaram à realidade e esses questionamentos ficaram para outra ocasião.
Após uma inteira de sono, algo que até um tempo atrás seria trivial, me senti renovada, feliz. Acordei os pequenos e iniciamos nossa rotina matinal. Na escola, a professora da Amanda perguntou se ela contou o ocorrido ontem. Imaginava que não poderia ser pior do que ocorreu na circular. Pior, provavelmente não foi, mas igualzinho... Ocorreu que a Amanda, querendo ser a segunda da fila simplesmente empurrou a criança que estava no lugar que ela queria ficar. A professora pegou a Amanda pelo braço e colocou no final da fila. O escândalo da vez foi homérico. Segundo a professora, após uma longa conversa a e o aviso de que a próxima vez que isso ocorrer ela ficará de castigo, a Amanda se acalmou. Essa narração me deixou um pouco deslocada, com tanta dedicação para que sejam crianças educadas, não espero perfeição, apenas que sejam crianças, normais, mas acima de tudo educadas. O que piorou a história toda foi a professora lembrar de acrescentar que a minha pequena bateu numa colega porque olhou para ela. Fiquei desolada. Inconformada. Refletindo meu método educacional com a Amanda. Porque com certeza o comportamento dela está bem longe do adequado para viver em sociedade. Para viver em família!
Como não poderia deixar de ser, essa semana foi sem dúvidas a semana da Amanda extravasar e abandonar todo o auto controle que mantém para se adaptar às regras. Foi com desgosto na alma que fui comunicada que por ela ser intransigente e não obedecer a professora foi mandada à sala da diretoria. Para mim essa notícia foi como um soco na boca do estômago, apesar de saber que ela tem muito de mim na sua personalidade, ela me superou nas transgressões. Claro que esse foi o limite máximo que ela poderia atingir esperando compreensão, alguma atitude drástica teria que ser tomada. Diante disso decidi que se ela não se comportasse pelo menos dentro do aceitável, não iria viajar conosco. A partir dessa decisão ter sido colocada para ela e ela tendo plena ciência de que realmente ficaria e eu não sentiria nenhuma pena, o comportamento se transformou magicamente. Numa semana tínhamos uma ogra indomável, na outra uma perfeita princesa ou barbie girl, como ela prefere.
Impossível não observar que para essa transformação acontecer ela estava fazendo um esforço enorme, amarrando a ogra dentro dela. Fazendo um paralelo direto com minha vida tive um momento de piedade, porque eu mesma tenho meus monstros amarrados firmes dentro de mim e sei que isso não é tão bom quanto parece, mas que também não podemos soltá-los livremente mundo afora. E a pequena Amanda terá que ser direcionada com motivação para aprender a manter a ogra acorrentada na medida certa e que há alguns monstros que não são muitos aceitos socialmente, mas podem ser sim soltos.
Com essa conclusão eu preciso aceitar que minha filha, e isso serve também para meu filho, não serão perfeitos, terão vida própria e se forem como eu estarão dispostos a arcar com as consequências para fazer valer o livre arbítrio. E certamente não é fácil para uma mãe/pai imaginar que todo o investimento de amor, carinho, cuidado, doação pode não levar ao destino que esperávamos à eles e isso não pode nos impedir de sermos felizes, porque como eles, temos livre arbítrio e somos unidade, respondemos apenas por nossa felicidade. A nós resta ficar na arquibancada torcendo e orientando para que suas decisões os façam felizes.